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Nicarágua: a polêmica trajetória do presidente Daniel Ortega
Guerrilheiro na revolução da década de 1970, o político venceu sua quarta eleição na semana passada, com sete opositores presos
- INTERNACIONAL | Lucas Ferreira, do R7
- 15/11/2021 – 02H00
⦁ Segunda-feira, | atualiza 15 de novembro, 2021 | 10h49
⦁ Nazaré Paulista –SP – Portal de Notícias
⦁ – Por Editor: Bp Sérgio Oliveira
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O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, voltou aos holofotes da imprensa mundial nas últimas semanas após uma série de polêmicas envolvendo as eleições do país, que resultaram, no último domingo (7), no quarto mandato consecutivo do governante à frente da nação.
Países como Cuba, Rússia e Venezuela parabenizaram a reeleição de Ortega, enquanto Estados Unidos, União Europeia e outras nações apontaram uma possível fraude no processo eleitoral, no qual sete candidatos opositores foram presos nos últimos meses da corrida presidencial.
O analista internacional Gabriel Pimenta, em conversa com o R7, explicou que os interesses dos países em relação à Nicarágua, sejam eles políticos, sociais ou econômicos, podem ditar de qual lado cada governo pode ficar, a favor ou contra Ortega.
“Esse tema envolve valores, mas sobretudo, envolve interesses. Alguns países que hoje apoiam o governo Ortega, que não viram problemas nesse processo eleitoral, eles não só têm um vínculo pessoal, identitário, particular, partidário com Ortega. Eles têm alguns interesses específicos naquilo que a Nicarágua pode fazer, especialmente no sistema norte-americano.”
Pimenta deu como exemplo a Rússia, que não tem um governo de esquerda, mas entende que a proximidade geográfica da Nicarágua, situada na América Central, pode exercer uma pressão migratória nos vizinhos norte-americanos.
“A Nicarágua, apesar dos problemas institucionais, ainda é um país estável para a vizinhança. […] Apesar de haver um certo êxodo das pessoas saindo da Nicarágua, ainda não é tão grande como poderia ser. E caso ele se intensifique, essas pessoas iriam para os Estados Unidos.”
Ascenção ao poder
Apoiadores sandinistas comemoram vitória de Ortega em carreata na Nicarágua
OSWALDO RIVAS/AFP – 8.11.2021
Ortega chegou ao poder pela primeira vez em 1979, quando o presidente Anastasio Somoza Debayle, que liderou o país em duas oportunidades (1967-1972 e 1974-1979), foi retirado do cargo durante a Revolução Sandinista.
Antes disso, Ortega era um conhecido guerrilheiro, preso repetidas vezes por crimes que incluem um assalto à mão armada a uma filial de um banco norte-americano em solo nicaraguense. Ele foi solto em 1974 junto com outros prisioneiros em troca da liberdade de rivais políticos que haviam sido sequestrados por sandinistas.
Apenas em 1984, cinco anos após os sandinistas tomarem o poder e organizem uma junta governativa apenas com aliados do próprio grupo político, Ortega foi eleito presidente do país. Também na década de 1980, a Revolução Sandinista torna o governo uma frente ampla e aberta a outras vertentes da Nicarágua.
“O termo sandinismo é usado para todos os grupos que evocam a figura do Augusto Sandino, que foi um líder popular da Nicarágua na década de 1930”, explica Pimenta. “É um movimento político ligado à posse da terra pelos trabalhadores da terra, principalmente. Ao contrário de outros movimentos de esquerda que tem origem fabril, sindical urbana, o sandinismo está ligado a esses grupos rurais”.
A queda e o retorno de Ortega
Ortega ficou 17 anos fora da presidência até reassumir a liderança do país em 2007
CESAR PEREZ/PRESIDÊNCIA NICARAGUENSE/AFP – 8.11.2021
Após a Revolução Sandinista e o processo da construção de uma Constituição na década de 1980, a Nicarágua voltou a realizar eleições com uma maior frequência, que culminaram na derrota de Ortega para Violeta Chamorro, em 1990. Segundo Pimenta, o processo de transição entre governos foi tranquilo e não recebeu críticas da comunidade internacional.
Foi apenas em 2007, 16 anos após deixar o poder, que Ortega voltou a vencer uma eleição presidencial. Para o especialista, tanto a derrota quanto a vitória do guerrilheiro podem ser vistas como uma resposta micro de um movimento amplo da política internacional.
“Existe uma grande mudança que pode explicar tanto a saída de Ortega no início da década de 1990 quanto o retorno dele em 2006, que é o fim da Guerra Fria […] com ideias de viés liberal e capitalista […] e “A Onda Rosa”, que foram as eleições de uma série de governos que iam de uma centro-esquerda, bastante moderada, para uma esquerda mais combativa.”
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Segundo Pimenta, o fim da Guerra Fria foi propício para uma reorganização da economia, especialmente na abertura comercial e modernização de regras que envolvem o mercado. Entretanto, a falta de mudanças sociais para a população da Nicarágua fez com que um novo governo de esquerda assumisse o país.
O analista internacional destacou que as eleições de Luíz Inácio Lula da Silva, no Brasil, Michelle Bachelet, no Chile, Néstor Kirchner, na Argentina, e José Mujica, no Uruguai, são outros exemplos da guinada à esquerda na América Latina no início do século.
Enfraquecimento da democracia na Nicarágua
Nicaraguenses protestaram contra governo Ortega em vários países ao redor do mundo
JEFFREY ARGUEDAS/EFE – 7.11.2021
Eleito de maneira justa em 2006, os escândalos nos pleitos que envolvem Ortega começaram em 2016, na corrida pela terceira eleição presidencial consecutiva. Pimenta classificou o atual cenário político da Nicarágua como uma democracia deteriorada.
“Não houve uma revolução ou um golpe. Todos os processos eleitorais foram mantidos no prazo previsto, mas aquilo que a gente pode chamar de qualidade das instituições eleitorais foi piorando substancialmente”, diz Pimenta.
Segundo o analista internacional, os órgãos fiscalizadores nicaraguenses foram comprometidos ao longo do tempo e a relação da Justiça com a disputa eleitoral se estreitou, em um processo chamado de politização de Justiça. Nas eleições deste ano, sete opositores foram presos ao longo da corrida presidencial.
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“É interessante notar que essa deterioração passa por um fenômeno que podemos ver em outros lugares, que é a criminalização da competitividade eleitoral. Por exemplo, um governante está no poder, mas na próxima eleição ele tem chance de ser derrotado, então as instituições do judiciário encontram ou desenvolvem acusações criminais contra esse candidato que tem competitividade.”
Pimenta destaca que a judicialização da política é um fenômeno que tem se tornado comum em países não só da América Latina, mas também nas democracias instáveis da Europa.
Eleições de 2021
Sete candidatos opositores a Ortega foram presos durante corrida presidencial
OSWALDO RIVAS / REUTERS / 19.7.2018
O pleito deste ano, que causou grande debate internacional, além de mortes e prisões de manifestantes na Nicarágua, não foi visto com bons olhos por Pimenta, que apontou uma série de incoerências com o processo democrático.
“Se tivéssemos que avaliar de 0 a 100, sendo 0 completamente não democrático e 100 completamente democrático, eu diria que estaria na faixa entre 30 e 40”, brinca Pimenta.
Assim como na Venezuela, país no qual se estima que mais de 250 pessoas foram presas por serem opositoras ao governo de Nicolás Maduro, Ortega e o sistema judiciário nicaraguense realizaram detenções de candidatos e manifestantes, erodindo o conceito de liberdade democrática no país..
“Não só houve o encarceramento e acusação criminal de alguns candidatos competitivos, como a relação entre governo Ortega e observadores internacionais foi completamente atribulada, o que significa que já havia o planejamento da alteração das eleições de alguma forma”.
Ortega foi reeleito, ao lado da esposa e vice-presidente Rosario Murillo, com mais de 75% dos votos. De acordo com Pimenta, não há informações confiáveis se as eleições transcorreram sem fraudes, já que os veículos nicaraguenses de notícias também estariam comprometidos pela briga política no país.
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