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Constituição não permite intervenção militar com fundamento no artigo 142
Quando o presidente pode convocar as Forças Armadas?
§ 2° A atuação das Forças Armadas ocorrerá de acordo com as diretrizes do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.
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Com o advento da atual crise política e econômica, surgiram vários debates sobre o limite e o alcance dos poderes constitucionais, notadamente o Legislativo e Judiciário. Historicamente, o poder sempre foi concentrado na figura de um governante representado por uma pessoa ou oligarquia que exerciam o poder absoluto, mesmo que com eventuais mecanismos de limitação de poder como costumes ou regras escritas.
Diante dos abusos e arbitrariedades praticadas pelo absolutismo, após diversos movimentos e revoltas, surgiram diversos mecanismos de limitação de poder como a carta magna, publicada pela primeira vez em 1215, limitando os poderes do rei João e sucessores ao trono inglês. As maiorias dos constitucionalistas reconhecem o referido documento como o início do constitucionalismo nos moldes que temos atualmente, apesar de algumas experiências de limitação do poder vistas anteriormente como no Estado hebreu e a algumas cidades-estadas gregas.
A teoria da tripartição de poderes escrita por Montesquieu, iluminista que auxiliou no arcabouço teórico da revolução francesa é grande influenciadora da divisão do poder realizada pela maioria das democracias ocidentais atualmente. Em apertada síntese, a teoria dispõe que o poder que emana do povo é exercido através do Poder Legislativo, que inova a ordem jurídica, criando direitos e deveres, através de atos normativos, do Poder Executivo que organiza e presta os serviços públicos, aplicando as leis e a Constituição e o Poder Judiciário aplica a jurisdição aos casos concretos a ele submetidos, bem como realização do controle de validade da legislação em face da lei fundamental.
Feitas as considerações sobre o atual estágio do constitucionalismo contemporâneo, passamos a análise do tema proposto.
As forças armadas, que são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais e permanentes, originadas na hierarquia e disciplina, nos termos do Artigo 142 da Constituição Federal [1].
“Artigo 142 — As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (…)”
Portanto, as forças armadas detém papel importante na defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem por iniciativa de qualquer dos três poder tendo o dever de atuar para a defesa da soberania nacional em razão de ameaças externas ou internas, inclusive de um poder sobre o outro.
Após essa premissa, surgiu vozes no sentido de que as forças armadas seriam uma espécie de poder moderador para eventual conflito entre os três poderes. Com efeito, o poder moderador teve previsão no Brasil na constituição imperial de 1824 em que dava ao imperador o poder soberano de se sobrepujar a decisão dos outros poderes, tornando o Executivo um “superpoder”. O subterfúgio constitucional, na verdade, era uma tentativa de mascarar o absolutismo que imperou no Império do Brasil (1822 a 1889).
Em uma interpretação sistemática da Constituição brasileira, é notório a inexistência de previsão da possibilidade de intervenção militar em qualquer dos três poderes constitucionais ou órgãos públicos para garantir a teoria dos freios e contrapesos.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre a possibilidade, sendo concedida medida liminar pelo ministro Luiz Fux que reconheceu a importância das Forças Armadas, mas decidiu pela impossibilidade de exercício de poder moderador pelos órgãos militares no ordenamento jurídico pátrio.
Instado a se manifestar sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal na ADI 6457 deferiu a medida liminar, através do ministro Luiz Fux [2]:
“MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.457 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. LUIZ FUX REQTE.(S) :PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA ADV.(A/S) :LUCAS DE CASTRO RIVAS INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 142 DA CONSTITUIÇÃO. ATRIBUIÇÕES DAS FORÇAS ARMADAS. LEI COMPLEMENTAR FEDERAL 97/1999, ARTIGOS 1º, CAPUT, E 15, CAPUT E §§ 1º, 2º e 3º. SEPARAÇÃO DE PODERES. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA EM PARTE AD REFERENDUM DO PLENÁRIO.
Ex positis, observadas as premissas adotadas nesta decisão, (artigo 5º, §1º, da Lei nº 9.882/1999), defiro parcialmente a medida liminar requerida, ad referendum do Plenário desta Suprema Corte, a fim de conferir interpretação conforme aos artigos 1º, caput, e 15, caput e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar 97/1999 e assentar que: (i) A missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; (ii) A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República; (iii) A prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si; (iv) O emprego das Forças Armadas para a ‘garantia da lei e da ordem’, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das 26 Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 0533-0EF7-37A0-3AC6 e senha 8857-C691-8DBB-54A5 ADI 6457 MC / DF pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei”.
Nota-se no voto do excelentíssimo ministro que as Forças Armadas, assim como a Advocacia-Geral da União, pertencem à estrutura do Poder Executivo, mas são órgãos de Estado, e não de governo, ou seja, existem de forma permanente para realizar as suas missões constitucionais, independentemente de quem seja o chefe do Poder Executivo.
Sendo assim, apesar do posicionamento minoritário em sentido contrário, prevalece amplamente na doutrina brasileira que a Constituição da República Federativa de 1988 não permite a intervenção militar com fundamento no artigo 142, entendimento que provavelmente irá prevalecer na Corte Suprema.
[1] Trecho retirado do site planauto.gov.br, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 7 de julho de 2020, às 20h.
[2] Trecho retirado do site stf.jus.br, disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaPresidenciaStf/anexo/ADI6457.pdf acesso em 9 de julho de 2020.
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